Ah! O velho dilema acerca da liberdade. E
a bola da vez é “Jogos Vorazes” – uma obra prima. Do livro ou do filme dá para
se extrair as sociedades “espartanas” de todas as épocas, principalmente a
atual, que através de algumas instituições “estupra” suas crianças e jovens que,
a força, são obrigados a aprender e obedecer as regras impostas por um pequeno grupo
de adultos elitizados que precisam manter as coisas como estão. No enredo, num mundo pós apocalíptico, para
evitar uma nova guerra, os pais têm que enviar os filhos a um jogo de onde só
um sai com vida e rico. É só arte, mas a comparação com a realidade cabe como
uma luva: quantos pais não enviam seus filhos para a escola alimentados por uma
esperança que de lá eles saiam vivos, ricos. E quantos filhos não participam do
jogo com tanta voracidade (estudam tanto
que esquecem de viver) - o propósito é vencer. A grande maioria perde.
Como premissa, “Jogos Vorazes” leva qualquer
um que assiste ou ler a concluir que as instituições como a escola e crenças na
esperança, na liberdade são só parte de algo que serve aos propósitos de alguns.
Quantos na história discutiram a questão
da liberdade – ela existe ou não existe? O homem é dono de suas decisões ou ele
vive submisso a outros homens ou deuses? “... e conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará” (João 8:22). Por aí se ver o tamanho do dilema do tema porque
mesmo conhecendo a verdade e pensando está livre, o homem continuará preso - agora
à verdade. Quantos meninos relutam em ir à escola, mas vão. Não sabem por quê,
mas vão. E os adultos? Quantos irão aceitar a sua condição - alicerçados num
argumento de que fracassaram no colégio e por isso devem ser punidos com os
piores serviços da cidade.
Quem assiste ou lê “Jogos Vorazes” percebe
essa confusão. Os meninos são postos no jogo – só um sairá vivo e será premiado
com uma vivência boa na polis. O leitor ou telespectador não consegue vê
brechas de que se fosse com ele (o leitor/telespectador) ele conseguiria se
livrar da jogatina, protestar e convencer os outros a não participarem. Não
consegue porque no mundo real é igual: aceita o jogo - escola com carteiras
quebradas, com ventilador, sem metas; aceita os vestibulares. Morrerá, mas aceita,
pois não vê uma brecha de saída; quando pais, sabe que fracassou – aceita a
nova condição, não há saída. Por esse ângulo parece mesmo que a liberdade do
indivíduo não depende dele exatamente. Parece até que não há liberdade.
“Jogos Vorazes” é bom porque é lento como
a vida. Uma vida na carteira da escola ou naquele emprego sub-humano é demorada.
A história só vai ter alguma emoção, alguma morte (homens gostam de histórias
que tenham mortes), passados mais da metade do enredo, e só no final é que se
perceberá que todo o sistema é frágil e que pode haver liberdade. Pode haver. A
obra termina, mas os protagonistas continuam submissos ao sistema, de qualquer
forma fica subentendido que algo se abalou – uma luz de liberdade sinalizou.
Isso é que é interessante no romance: todo o homem se é levado a crer que a
única coisa a se fazer é aceitar o jogo macabro, mas o bom é luz da liberdade
proposta no término.
A verdade, alguém já deve ter dito isso, é
que “o homem está condenado à liberdade”. Nisso a vida real se assemelha muito com
“Jogos Vorazes”: mais da metade da obra, ou quase toda, é vista como uma
condição aceitável e que não há saída a não ser viver uma vida miserável
alimentada por uma falsa esperança elitizada. Mas já pensou se os negros ou as
mulheres ou povos inteiros tivessem visto a coisa só dessa forma. Não viram
porque dentro deles algo incomodava. Esse algo era o “verme” com que todos estão
condenados a conviver – a liberdade. Os benefícios que se colhe hoje são lutas
de alguém que não se conformou com sua condição no passado. A luta que se trava
hoje não será recompensada com benefícios aos que lutam hoje, mas aos jovens do
futuro. E com certeza os jovens do
futuro usarão máscaras contra um sistema que os manipula, pagarão um preço (às
vezes a vida) mas procurarão uma forma de libertar a maioria de uma condição
que é repudiante.
Por Isaac Sabino