sábado, 12 de dezembro de 2020

Sobre o governo da Biopolítica e os vícios do homem moderno


           Para entender a Biopolítica foucaultiana, faz-se necessário viajar bem antes da história do autor e perceber as relações entre o poder e o “ser” naquelas épocas. Ao chegar no tempo de Foucault e o atual, diferenciar o Estado Moderno com seu governo de seus antecessores percebendo as relações entre o indivíduo, a vida, a morte, a vontade do corpo e da população. Graças a Literatura e ao Cinema no presente, ficou bem mais fácil entender este pensador complexo: 1984 de George Orwell, zumbis, Matrix – o filme, dizem muito do Biopoder e do homem moderno, que só vaga.
         Quando se trata “dum” “ser” dentro do corpo, a primeira coisa que o leitor tem que saber é que há um dilema acerca da “inexistência” do “ser”. É fácil entender: imagine uma máquina de viagem no tempo e um indivíduo, hoje brasileiro. Se alguém pudesse voltar ao nascimento desta pessoa e raptá-la deixando-a na Índia e voltar aos dias de agora, o “ser” dentro do corpo teria outros gostos, tanto quanto às comidas quanto no vestir. A conclusão dessa premissa é que o “eu” que se pensa real no aqui agora é frágil.
          Pois bem, toda a história recente pré Foucault é marcada por um Estado que tem a figura do Rei ou da igreja como o governo controlador dos indivíduos.  O poder é do Rei ou da igreja. O “ser” que era colocado dentro do corpo que nascia, o “EU”, dependia diretamente de como a majestade ou os bispos queriam que ele fosse. Qualquer um que se desviasse dos caminhos propostos pelo poder, era retirado do convívio social com a perda da vida. Nesse momento a execução é um espetáculo e serve para mostrar aos súditos o que acontece com os que ousam pensar diferente da nobreza. Era um escravizar dos vivos pela ameaça da morte.
          Um caso exemplar, acontecido no Brasil, de como a morte era um espetáculo a ser visto por todos e com o intuito de controlar comportamentos, é a morte de Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes. Não bastasse executar o inconfidente, a Rainha ordenou que cada parte de seu corpo fosse exposto em alguns lugares da cidade.
           A Morte na idade média era algo que devia estar sempre presente na vida das pessoas. Os velórios eram demorados e feitos para toda a comunidade. Os animais que serviam de alimento eram abatidos na frente de todos. Tanto o monarca quanto os sacerdotes estariam a serviço de algo maior que nem eles mesmos entendiam - o Estado. É aqui que se entende o termo “bio” proposto por Foucault: o Estado como um ser que existe por si só e tem nas suas células a manutenção de sua existência.
          O autor retrata o Estado como uma espécie de organismo vivo acima de tudo: dos deuses, do Deus, dos Reis, dos padres, dos homens comuns. Através de um biopoder, esse “ser” se mantém existente sempre.
“O Estado não é nem uma casa, nem uma igreja, nem um império. O Estado é uma realidade específica e descontínua. O Estado existe para si mesmo e em relação a si mesmo”. (FOUCAULT. O nascimento da biopolítica. Pág 7.)
          Uma mudança total de paradigma com relação ao poder acontece na modernidade e Foucault é o Filósofo que enxerga essa nova mudança de “ser do Estado” e a explica aos homens de seu tempo.
         Ao contrário do homem medieval, que mesmo sendo punido com a morte, continuava desafiando o poder e se deixando morrer e velando os seus mortos com comidas e bebidas, o Estado Moderno diz “não” ao ato de matar. A figura do Rei e da igreja é posta de lado (como um patrão que dispensa um empregado incompetente). Agora ao indivíduo é dada a vida. A morte é escondida totalmente: velórios passam a serem curtos e em ambiente não familiar; os animais que serão comidos são processados num formato que se distancia da imagem original do bicho.  
          Essa transição, do Estado Medieval para o Moderno, segundo Foucault, começa com o Direito, passa pelo mercantilismo e tem seu advento com a ideia posta em prática de Estado liberal ou Estado mínimo. Na verdade, Governo mínimo.  Para chegar às diferenças entre esses Estados, o filósofo parte da análise do particular para o universal – da vontade do indivíduo a da população.
         É claro que numa luta sempre há dois lados em disputa, e nessa contra o Estado, já no período monárquico, teve a questão do Direito. O Direito vinha desafiar o governo dos soberanos com aquilo que era lei originária de Deus aos homens. Foi o primeiro sinal da decadência de uma célula de comando do Estado – a monarquia. Reviravolta mesmo do século XVIII para os posteriores e, surgimento da Biopolítica - até assimilação do Direito - é com a questão do mercantilismo e do Governo mínimo através do discurso liberal.
         Por incrível que pareça é com a apologia a vida que o Estado Moderno consegue a sua melhor forma de escravizar. E tudo isso começa lá atrás com a ideia de liberdade, livre comércio e o “governo mínimo”. Tudo em escala global. Agora nem os presos podem passar pela decepção da execução com morte. Os animais que servirão de alimentos devem ser abatidos em lugares escondidos. A vida é esticada ao máximo em hospitais e os jovens vivem o culto a um corpo impossível de se manter. Fato bem posto por Foucault é o afastamento do Soberano e o protagonismo do próprio indivíduo na manutenção do Estado.
         Para o pensador francês, para a manutenção desse novo poder, além do distanciamento da morte, ao individuo é dada uma ideia de liberdade, principalmente no campo econômico. Um paradoxo, porque na verdade, o que vai acontecer é a existência de uma moral que valoriza o ser que produz muito e que quer viver mais para produzir mais. Ou seja, o indivíduo preso à vida e ao poder de produzir. Sem falar que o período é marcado pela palavra “regulação”. Ironia.
“O liberalismo, no sentido em que eu entendo [...] implica em seu cerne uma relação de produção/destruição [com a] liberdade [...] É necessário, de um lado, produzir a liberdade, mas esse gesto mesmo implica que, de outro lado, se estabeleçam limitações, controles, coerções, obrigações apoiadas em ameaças, etc.”. (FOUCAULT. O nascimento da biopolítica. Pág 87.)
          Vale ressaltar que enquanto o rei era o responsável por regular e até executar os seus súditos que fugiam à regra, nos tempos atuais, cada homem ou mulher, ou criança é uma célula responsável por fiscalizar e reprimir os que fogem da moral vigente.
          Peter Pál Pelbart, filósofo húngaro, usando o próprio Foucault, lança mão de uma metáfora interessante para explicar o homem moderno: começa com os judeus que ainda trabalhavam nos campos de concentração, mas que já estavam em estado avançado de desnutrição, contudo, ainda trabalhando. A impressão é que os corpos estavam ali, mas um “eu”, a “alma” não. Uma espécie de zumbi que produzia.
         É esse o homem atual, meio morto, meio vivo, que não quer morrer e vive repetindo as mesmas coisas/rotinas, desde cedo na escola e depois no trabalho todos os dias - às vezes “estressado”, sem gostar, mas sem expressar, porque precisa sobreviver; é esse  o homem atual que cuida da alimentação comendo comidas sem sabor algum; que vaga nos shoppings ou mercados a procura de algo para comprar e sentir um pouco dum prazer esquisito e passageiro.
          Há algumas obras literárias, cinematográficas ou da TV, recentes, que podem auxiliar no entendimento do homem contemporâneo e o biopoder proposto por Foucault. Livro, por exemplo, pode ser 1984 de George Orwell e filme pode ser Matrix de 1999 dos irmãos Whachowski ou as diversas séries e filmes de zumbis.
          Todos os enredos têm em comum personagens que vivem numa realidade que aparenta liberdade, mas que esconde toda uma estrutura que os faz produzirem mais, trabalharem mais. Acontece em 1984, acontece em Matrix. Interessante também frisar, são os homens, mulheres  ou crianças que vigiam uns aos outros – prontos a denunciarem qualquer tipo de desvio. Nos dois universos não se ver personificada a figura do líder. O cume é o sucesso dos zumbis em anos posteriores as aulas do filósofo francês.   
         Quem quiser entender o homem atual – que nasce no século XVIII e tem seu apogeu no século XXI, tem que conhecer a biopolítica proposta pelo filósofo francês Michel Foucault. Nos ensaios do autor, o leitor descobre um homem que esconde a morte, é célula de uma “pseudo liberdade” e é vazio a vagar em busca do nada a não ser da própria morte. E, para aqueles que acharem os textos do autor grandes e complexos, o filósofo é influência direta em sucessos literários, cinematográficos e de TV que muito provável todo mundo já assistiu ou ouviu falar.      
         














REFERÊNCIAS



FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

Morgan, Gareth, 1943 - Imagens da organização: edição executiva/Gareth Morgan; tradução Geni G. Goldschmidt. - 2. ed. - 4a reimpressão - São Paulo : Atlas, 2002.

Silva, José Maria da. Apresentação de trabalhos acadêmicos: normas e técnicas/José  Maria da Silva , Emerson Sena da Silveira. 5. Ed. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2009

Preta, Sala. Biopolítica. Disponível em < http://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57320> Acesso em 30 de Nov 2017

Pinheiro, Ivan Antônio Negociação e arbitragem / Ivan Antônio Pinheiro. – Florianópolis : Departamento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasília] : CAPES : UAB, 2012.
         82p. : il.


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