Rascunho de Desenho Isaac Sabino
Eu vi. Eu estava lá. Era um vírus. Igual ao da gripe. Mas, era uma vírus diferente que tirava dos infectados a capacidade de pensar - de criticar - de viver. Eles viravam zumbis. E para piorar, quando contaminados, sentiam fome. Muita fome. Fome de miolos humanos que pensam, que criticam. A vontade dos contaminadas de comer a carne inteira do pensador era aterrorizante - era de não querer a existência do ser vivo que pensa e critica. O "estraçalhamento" era horripilante.
Se você pensa que o enredo é um desses de zumbis - a “la” “The walking dead”. Engana-se. Aconteceu numa cidadezinha nome esquisito. Um Lugarzinho pequeno. Isolado. Desses onde acontece de tudo e o resto do país nunca vai saber de nada. Nem as cidades vizinhas. Praticamente o fim do mundo. Eu sei: "Se o mundo tem um fim, onde será o começo?!". É um paradoxo. Mas ali é assim mesmo. Tudo diferente. Lugarzinho de nome esquisito: Madeira de Teresinha. Lá uma infecção pulsa desde que o lugarejo se emancipou (um infectado vindo de fora deve ter trazido a doença). Uns comiam os outros. Eu quase morria quando o amigo meu foi infectado. Administrávamos uma escola juntos. Ele tentou me matar. Mesmo fugindo dele e do monstro chefe, eu passei fome, mas não fui mordido. Eu continuou pensando, criticando e vivendo.
Diferente dos filmes de mortos-vivos que se alimentam dos vivos, ali a fome é de cérebro mesmo. Principalmente daqueles que pensam, que criticam. Uma mordida na cabeça de forma que o crânio se parta e os miolos fiquem à mostra, (tal qual o fruto do bacuri rolado uma banda da casca) e o infectado enlambuza as mãos magras e pálidas levando os gongos cerebrais brancos e ensanguentados à boca. A “comida” fica quietinha, anestesiada. A imagem parece muito com aquelas de uma macaca que cata piolhos nos macaquinhos e em seguida come os parasitas catados. A massa encefálica é toda devorada e o cocorote limpo. Uns lambem o fundo do coco como criancinhas que gostaram tanto da sopa que passam a língua no prato. No primeiros oito anos do surgimento do lugar foi assim diariamente. Já passou muito tempo, mas, nos últimos dias, há notícia de um zumbi forasteiro que está contaminando uma escola Todos os que os cercam ficam calados e atacam os que pensam diferente. É um foco pequeno e voltamos nesse assunto mais tarde.
OS ZUMBIS SE LEVANTAM E QUEREM COMER MINHA CARNE
Naquela época. Eu estava lá. Com o bucho cheio, o bicho saia a procura de uma nova presa; o comido se levantava mais tarde e nunca mais pensava. Só um silêncio e um zumbido. Há relatos de casos em que as presas foram totalmente estraçalhadas e não se levantaram mais. É a pior das situações. Alguns DO LUGAR fugiram pra outras cidades para não serem comidos.
Mesmo assim, durante muitos anos a infecção foi combatida. Logo depois do lugarejo se tornar uma cidadezinha, os primeiros infectados tentaram comer em demasia alguns cernes, mas foi uma briga feia. Quando um desses monstros era pego tentando saciar-se, o espancamento era certo. O monstro recuava, mas foi quase uma década de vírus vivo. Com força. Era guerra todos os dias. Eu estava lá. Eu quase foi estraçalhado pelo meu amigo que trabalhava comigo numa escola, contudo eu escapei e sobrevivi. Ele virou um monstro. Foi quase um década, de concidadão pensando em como destruir o monstro chefe, com criticas e vontade de viver. Havia heróis naquela época. Eu estava lá. Eles combatiam em cada esquina, nas igrejas (eu me refugiei numa delas e participei dos combates por lá), havia combates também nas escolas, nas câmaras de vereadores, nos Sindicatos.
A doença recuou muito, (um poder muito forte, que veio de fora, que privava o povo de liberdade, foi derrotado). Mas o povo não foi feliz por muito tempo. Um novo poder, de novo de fora, se levantou. Sem salários, famílias inteiras morreram de fome. Não foram comidos, mas passaram fome e morreram. Quase outra década de sofrimento. Os heróis voltaram, e eles combatiam em cada esquina, nas igrejas, nas escolas, nas câmaras de vereadores, nos Sindicatos.
Os heróis ressurgiram com força total. Formaram grupos, assembleias. Mobilizaram alunos nas escolas, fiéis nas igrejas de novo. Se antes o combate foi contra o pai dos monstros, dessa vez os guerreiros tiveram que enfrentar a mãe. Foi uma batalha horrível. De ambas as partes muitas mortes. Os heróis venceram, mas ao invés da cidade ganhar, ela perde.
Eu estava lá e arranjei outro amigo para trabalharmos numa escola chamada Santa Maria. Fomos felizes, mas outro monstro chefe surgiu e o contaminou também. Ele tentou me matar, mas fugi de novo.
OS ZUMBIS SE LEVANTAM E QUEREM COMER MINHA CARNE
Outrora os heróis estão quietos. Aparentemente a paz reina. Mal sabe eles que há notícias de focos em escolas onde um zumbi contaminado veio de fora, de novo, e já contiminou alguns professores. É um foco pequeno. Mal se percebe. Contudo, num rápido olhar já se percebe que em aluguns lugares ninguém quer criticar. Foram contaminados?
OS ZUMBIS SE LEVANTAM E QUEREM COMER MINHA CARNE
Madeira de Teresinha está órfão dos grandes heróis de outro. Nos corredores de uma escola só silêncio. O silêncio é ensurdecedor e amedrontador. Ninguém pode pensar - nem falar. Chamar a atenção é morte na certa. Há relatos de coordenadores que se transformaram e correram atrás de alguns professores que fizeram barulho. O que aconteceu com o professor pego é indescritível. Há ainda histórias de crianças sendo devoradas, nas escolas, numa transformação de imbecilidade pela ausência de criticidade.
OS ZUMBIS SE LEVANTAM E QUEREM COMER MINHA CARNE
