A obra de Mário de Andrade, Macunaíma,
escrita em 1928 - É triste falar - continua tão atual quanto nunca. Os heróis
do Brasil, políticos ou empresários, possuem todas as características dos
personagens do enredo de Andrade. Ainda na escola são ensinados a serem
Macunaímas: superficiais; supersticiosos; desonestos; preguiçosos. São esses os
que vencerão em terras tupiniquins. O livro ou o filme, se vistos por um leigo,
sem o devido acompanhamento do mestre, pode prestar um desserviço. Macunaíma
não é para ser amado. Pelo menos num país sério, não. Ele esconde comida dos
irmãos; tem relações sexuais com as cunhadas; mente e nunca trabalha.
Os políticos brasileiros, Macunaímas por natureza,
ou pela escola, querem o poder simplesmente para não trabalharem de verdade.
Tal qual o herói, querem ser príncipes sem o mínimo de esforço. Vestem-se numa
pele de salvadores da pátria, mas no fundo o que desejam é furtar os cofres públicos.
E enganam. O propósito? O mesmo do personagem andradiano. No livro, o herói da
“nossa gente”, toma um banho numa água mágica e de preto se torna um branco. No
real é assim. Ninguém quer Pegar sol (escurecer). Os Eleitos daqui se enfurnam
em salas com ar condicionado e durante vários anos ninguém mais os ver. No fim
do mandato estão com a pele alvinha e macia. E num passe de mágica, com roupas
de príncipes - caras - de grife.
Para piorar, um
comportamento que deveria ser repudiado
é premiado. Pode olhar quem está governando. São os que foram os piores alunos.
Isso quando se tem na gestão os que, pelo menos, concluíram os estudos (sem a
escola a situação piora). Mesmo assim com os que foram ao colégio, o que se tem
no governo são aqueles que foram expertos nas más práticas: apreciavam a beleza
superficial (amantes das práticas esportistas e dos desfiles de moda); eram
supersticiosos (sempre contando com uma ajudinha mística na hora das provas) e,
por sempre colarem, eram desonestos e preguiçosos.
Quem é só povo no Brasil está em maus lençóis. De um
lado os políticos macunaímicos; do outro, o arquirrival do “herói” - Vescelau
Pietro Pietra. Esse monstro representa o empresariado brasileiro: pronto para
dá o bote em quem não conseguiu vencer na vida e só tem como saída ser uma mão
de obra escrava. Acontece muito. Meninos trabalhando por um salário que mal
compra uma calça. Sem falar que o Venceslau, não contente em só comer as
pessoas, ainda sonega. Não raro, o que se paga de impostos em terras
brasileiras é sonegado três vezes mais. É um ciclo vicioso: o Pietra não paga
os impostos devidos (o que seria para a escola fica no seu bolso) e o resultado,
num futuro não muito distante, são mais meninos mal educados que servirão de
mão de obra barata ao Comedor de Gente.
A verdade - e a obra mostra - e não era pra ser
visto com ironia, é que nessas terras o que se tem muito é pobreza. O pau de arara,
aquele carro que carregava as pessoas como fossem bichos, ainda existe.
Passados décadas da obra escrita, ainda é comum, até mesmo alunos, serem
carregados por carros caindo aos pedaços. E as casas de palha, de taipa.
Também ainda tem. Um Brasil pobre é relatado na epopeia do herói e ainda
existe. E quantos não se “destabacam” rumo aos grandes centros em busca de um
sonho. Isso é a épica de Macunaíma. É um problema das pequenas cidades, que
mesmo em dias atuais não possuem estrutura de emprego para os jovens. A saída é
viajar.
É com tudo isso que Macunaíma
é a obra que melhor denuncia o Brasil desde o descobrimento, e infelizmente, o
atual. Enquanto outros povos tiveram seus jovens inspirados em grandes nomes,
Mário de Andrade choca o brasileiro com um herói que deveria ser odiado. E, por
conta disso, deve-se tomar muito cuidado na apresentação do “herói da nossa
gente” aos mais novos. Todo o comportamento da épica macunaímica, inclusive os
vilões devem ser apresentado como algo a ser odiado.
(Venceslau, o comedor de gente, com seus escravos presos)