quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Macunaíma: o herói da “nossa” gente



       A obra de Mário de Andrade, Macunaíma, escrita em 1928 - É triste falar - continua tão atual quanto nunca. Os heróis do Brasil, políticos ou empresários, possuem todas as características dos personagens do enredo de Andrade.  Ainda na escola são ensinados a serem Macunaímas: superficiais; supersticiosos; desonestos; preguiçosos. São esses os que vencerão em terras tupiniquins. O livro ou o filme, se vistos por um leigo, sem o devido acompanhamento do mestre, pode prestar um desserviço. Macunaíma não é para ser amado. Pelo menos num país sério, não. Ele esconde comida dos irmãos; tem relações sexuais com as cunhadas; mente e nunca trabalha.
     Os políticos brasileiros, Macunaímas por natureza, ou pela escola, querem o poder simplesmente para não trabalharem de verdade. Tal qual o herói, querem ser príncipes sem o mínimo de esforço. Vestem-se numa pele de salvadores da pátria, mas no fundo o que desejam é furtar os cofres públicos. E enganam. O propósito? O mesmo do personagem andradiano. No livro, o herói da “nossa gente”, toma um banho numa água mágica e de preto se torna um branco. No real é assim. Ninguém quer Pegar sol (escurecer). Os Eleitos daqui se enfurnam em salas com ar condicionado e durante vários anos ninguém mais os ver. No fim do mandato estão com a pele alvinha e macia. E num passe de mágica, com roupas de príncipes - caras - de grife. 
     Para piorar, um comportamento que deveria ser repudiado é premiado. Pode olhar quem está governando. São os que foram os piores alunos. Isso quando se tem na gestão os que, pelo menos, concluíram os estudos (sem a escola a situação piora). Mesmo assim com os que foram ao colégio, o que se tem no governo são aqueles que foram expertos nas más práticas: apreciavam a beleza superficial (amantes das práticas esportistas e dos desfiles de moda); eram supersticiosos (sempre contando com uma ajudinha mística na hora das provas) e, por sempre colarem, eram desonestos e preguiçosos.  
     Quem é só povo no Brasil está em maus lençóis. De um lado os políticos macunaímicos; do outro, o arquirrival do “herói” - Vescelau Pietro Pietra. Esse monstro representa o empresariado brasileiro: pronto para dá o bote em quem não conseguiu vencer na vida e só tem como saída ser uma mão de obra escrava. Acontece muito. Meninos trabalhando por um salário que mal compra uma calça. Sem falar que o Venceslau, não contente em só comer as pessoas, ainda sonega. Não raro, o que se paga de impostos em terras brasileiras é sonegado três vezes mais. É um ciclo vicioso: o Pietra não paga os impostos devidos (o que seria para a escola fica no seu bolso) e o resultado, num futuro não muito distante, são mais meninos mal educados que servirão de mão de obra barata ao Comedor de Gente.
     A verdade - e a obra mostra - e não era pra ser visto com ironia, é que nessas terras o que se tem muito é pobreza. O pau de arara, aquele carro que carregava as pessoas como fossem bichos, ainda existe. Passados décadas da obra escrita, ainda é comum, até mesmo alunos, serem carregados por carros  caindo aos pedaços. E as casas de palha, de taipa. Também ainda tem. Um Brasil pobre é relatado na epopeia do herói e ainda existe. E quantos não se “destabacam” rumo aos grandes centros em busca de um sonho. Isso é a épica de Macunaíma. É um problema das pequenas cidades, que mesmo em dias atuais não possuem estrutura de emprego para os jovens. A saída é viajar.
    Já o filme dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, em 1969 Tem muito em comum com o livro, mas termina prestando um desserviço aos que assistem e são leigos. É um filme muito bom, mas no olhar de leigo é só mais uma comédia. O que não é bem verdade. Dali percebe-se características dos movimentos vanguardistas; há ainda uma crítica direta aos discursos ilógicos dos políticos brasileiros; e a raiva do povo quando Macunaíma dissera ter visto uma cutia bem no centro da metrópole. Naquele momento a vida parou - o dinheiro parou. Ainda tem mais: no Brasil, parece que todo mundo engana todo mundo - é o caso do homem com o pato e do mendigo que dizia comer os próprios ovos. O rima da aventura é marcado com Macunaíma matando o gigante numa piscina de óleo fervendo. O herói volta da cidade grande com todas as bugigangas ganhas.
     É com tudo isso que Macunaíma é a obra que melhor denuncia o Brasil desde o descobrimento, e infelizmente, o atual. Enquanto outros povos tiveram seus jovens inspirados em grandes nomes, Mário de Andrade choca o brasileiro com um herói que deveria ser odiado. E, por conta disso, deve-se tomar muito cuidado na apresentação do “herói da nossa gente” aos mais novos. Todo o comportamento da épica macunaímica, inclusive os vilões devem ser apresentado como algo a ser odiado.

                                                       (Venceslau, o comedor de gente, com seus escravos presos)



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