Isaac Sabino CARDOSO1
No Brasil, a década de 90 é
marcada pela palavra “mudanças”. Destaque para o nome “Administração” que é substituído por “Gestão”. Isso no cotidiano escolar. E, Com um olhar especial na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96 principalmente nos artigos 12 e
14 que assimilaram conceitualmente mais dois termos que são “descentralização” e “Gestão Democrática” que, também, ainda resistem para representar a realidade.
O dilema acerca de nomear a “coisa” pelo nome
que verdadeiramente a expressa remonta a antiguidade grega. Sócrates, por
exemplo, vivia perguntando aos seus conterrâneos se eles sabiam o significado
das palavras que nomeavam os atos como coragem ou virtude. Depois de uma série
de questionamentos, as pessoas, que se deixavam interrogar pelo filósofo, percebiam que o que eles faziam devia receber outro nome, menos aquele que eles
estavam habituadas. Na escola brasileira, tal situação acontece desde o início
da década de 90 com a necessidade de nomear o que é “administração” ou ”gestão” ou "nada".
Segundo Dalila (2002) há um entendimento quase tácito entre os pesquisadores da
área de que o termo “gestão” é mais amplo e aberto que “administração”. Isso
vale também para os termos “diretor” e “Gestor”.
No uso do termo
“administração” o núcleo diretor da escola é nomeado por entidade mantenedora - que pode ser o líder político local, a regional ou a própria secretaria - também, a realização de alguma prova objetiva. Nisso, ele está
sempre preocupado em organizar a burocracia do órgão com vistas a atender
pedidos da hierarquia superior. Nesse sentido a escola é percebida como uma
realidade objetiva, neutra e amplamente racional. Como o foco é o núcleo diretor e as
autoridades que centralizam o planejamento, não há participação de todos os
atores na tomada de decisão, até de pequenas coisas, como mudanças de horários, da realidade escolar. Forte na década de 80, tal modelo foi muito
criticado e pedido à sua substituição pelo vocábulo “gestão” por agregar democracia,
autonomia, responsabilização, uma escola subjetiva, crítico-social e promotora
de debates acalorados em sua realidade.
A questão socrática retorna quando todo
diretor de escola atual se diz “gestor”, mesmo estando na direção indicado por
entidade mantenedora; sempre preocupado em atender aos pedidos burocráticos da
secretaria ou da regional de educação; mobilizado na confecção de uma escola
objetiva e neutra ao seu em torno: com pouca participação das famílias nas
reuniões e na tomada de decisão. É um exemplo clássico de uma palavra que não
expressa a realidade que se tem na maior parte das escolas brasileiras. Com tais características não se tem gestores e sim
administradores. Em alguns casos, nada.
Não que “administração” seja um problema
por completo. A razão, a eficiência e eficácia do ato são de suma importância
no bom funcionamento da coisa pública, mas esta época, culturalmente, é mesmo
do fazer “gestão” que é palavra mais próxima aquelas diretamente ligadas a lei
9394/96 como “descentralização” e “Gestão Democrática”.
Só para se ter uma ideia de termo que representa
conflito de interesses com a realidade, no artigo 12 da LDB há o pedido para
que os estabelecimentos de ensino elaborem e executem o seu projeto político
pedagógico (PPP). Só que elaborar o PPP para um
administrador indicado é sair de uma zona de conforto
que é vertical hierarquicamente e entrar numa zona horizontal marcada por um
debate constante com familiares e servidores de forma que todos os interesses
sejam discutidos, refutados ou aprovados. É muito trabalho e o núcleo Diretor pode se "queimar". Todo o restante dos
incisos do artigo chama a responsabilidade da escola para a escola. Como os
diretores não querem assumir tal responsabilidade, dividindo os erros ou acertos
com pessoas simples, a direção ou o núcleo diretor, iludida por uma falsa sensação de que é melhor
ficar do lado mais forte, que é a secretaria ou a regional, prefere ser meros
executores a gestores de fato. A palavra que melhor expressa essa realidade é Centralização ou outra.
Do artigo 14 subentende-se a necessidade do
incentivar, por parte dos sistemas de ensino, a entrega da gestão da escola a
comunidade escolar de forma a incrementar na instituição órgãos que efetivem a
democracia. Isso é “Gestão Democrática” e Segundo Heloísa Lück (2013) essa
iniciativa é a superação do modelo estático [...] que desconsidera a
necessidade de criatividade, iniciativa e discernimento em relação a dinâmicas interpessoais
e sociais [...] que entende a escola como do governo e não da sociedade. O
processo educacional é dinâmico e de difícil previsão, por conta disso se torna
incontrolável por um poder central.
Sócrates estivesse vivo, ele
perguntaria ao diretor administrador ou núcleo (a partir daqui, foca-se mais no termo diretor, mas já é sabido que é um núcleo composto mais de umas pessoa": "...você sabe o que é administração,
você sabe o que é gestão democrática? Você sabe o que é descentralização?"
É o outro problema de nome que não corresponde com a realidade. “Descentralização” é um nome autoexplicativo. Mas,
para quem tem dificuldade de saber se a sua escola é descentralizada ou não, há
uma palavra que é a prova dos nove que é “identidade”. Uma escola
descentralizada possui sua identidade própria, ela se difere das demais
em tudo: no seu fazer pedagógico, com um jeito particular
de promover suas avaliações, seus eventos culturais e o trato com seus
servidores. Até no uso do uniforme escolar que os alunos vestem se percebe a
identidade do colégio, ou o contrário – a centralização de um diretor, de um
governo. A escola descentralizada não se parece com nenhuma outra. Heloísa Lück
(2013) apud Cunha (1995) diz que descentralização existe mesmo é no sistema
americano de ensino, onde as famílias se sentem totalmente responsáveis pelas
escolas, “... cada vila ou cidade constitui um sistema escolar inteiramente
autônomo. O Estado apenas dá algumas diretrizes de caráter extremamente geral e
compensações financeiras, [...] enquanto o governo federal apenas promove
programas e mobiliza debates”. Mas, então o que é isso que acontece na escola
brasileira? Não é “descentralização”, não?
O que acontece com a escola no Brasil é o que o pessoal do Direito chama
de “desconcentração” que é quando há a divisão dos respectivos órgãos central
administrativo em escala hierárquica (Oliveira 2012). No caso da educação, o
órgão superior é a secretaria ou a regional e os órgãos inferiores são as
escolas. De forma alguma isso é “descentralização” e sim subordinação
administrativa.
A verdade é que se montou um sistema e usou-se a língua como manipulação. Só na
ficção já tinha acontecido algo assim, basta ler 1984 de George Orwell. No
livro um governo totalitário tem um controle das palavras, liberando-as,
modificando-as ou as proibindo, e consecutivamente controlando os cidadãos
daquele estranho mundo. O mesmo tem acontecido no meio educativo brasileiro. Mudam-se
os termos, mas a realidade não condiz com a palavra mudada. O
pior disso tudo é ver pessoas cultas como o diretor da escola se deixar
usar como peão de xadrez. Dos dois um: ou os diretores de escolas atuais
não sabem o verdadeiro significado das palavras, ou eles representam o
modelo velho de escola - travestidos com as palavras atuais que não são
efetivadas de fato.
REFERÊNCIAS
FRASSON, Antonio Carlos,:JUNIOR, Constantino Ribeiro
de Oliveira. METODOLOGIA DA PESQUISA
CIENTÍFICA. São Luís, Maranhão : 2010
CARDOSO, Isaac Sabino. Mudanças na organização e na gestão do trabalho na escola e
Concepções e processos democráticos de gestão educacional: o problema da
apropriação falsa dos nomes. Disponível em <https://isaacsabino.blogspot.com/2018/01/mudancas-na-organizacao-e-na-gestao-do.html>. acesso em 22 de janeiro de
2020-01-22
Lakatos,
Eva Maria. Fundamentos de metodologia
científica 1 Marina de Andrade Marconi, Eva
Maria Lakatos. - 5.
ed. - São Paulo : Atlas 2003.
Lück,
Heloísa. Concepções e processos
democráticos de gestão educacional/ Heloísa Lück. 9. Ed – Petrópolis, RJ :
Vozes, 2013. Série: Cadernos de Gestão
Oliveira,
Dalila Andrade. Política e Gestão da
Educação / organizado por Dalila Andrade Oliveira e Maria de Fa´tima Félix
Rosar – Belo Horizonte: Autêntica, 2002
Oliveira, João Rezende Almeida. Instituições de direito público e privado
/ João Rezende Almeida Oliveira, Tágory Figueiredo Martins Costa. – 2. ed.
reimp. – Florianópolis : Departamento de Ciências da Administração / UFSC;
[Brasília] : CAPES : UAB, 2012.
PAVIANI.
Jayme. Ética e aprendizagem em Platão. HYPNOS,
São Paulo, número 27, 2º semestre 2011, p. 246-259
PLATÃO. Ménon.
Tradução de Ernesto R. Gomes. Lisboa: Edições Colibri, 1992.
PLATÃO. Fédon.
Introdução e comentários de Maria Arminda Alves de Sousa. Porto: Porto Editora,
1995.
1ª Os textos de opinião costumam apresentar o tema e o ponto de vista do autor nos primeiros parágrafos. Qual é a afirmação feita no início, em torno da qual a autora desenvolve o texto?
(A) a evolução da escola ao longo dos tempos;
(B) a evolução do termo gestão ao longo dos tempos;
2º Um texto argumentativo pode ser desenvolvido com exemplos, citações, comparações, dados estatísticos, etc. Qual autor é citado para justificar o argumento do texto?
(A) Paulo Freire e Dermeval Sarviane;
(B) Dalila e Heloísa Lück;
3º Marque o que representa a conclusão do Artigo de Opinião.
(A) A verdade é que se montou um sistema e usou-se a língua como manipulação. Só na ficção já tinha acontecido algo assim, basta ler 1984 de George Orwell. [...] Dos dois um: ou os diretores de escolas atuais não sabem o verdadeiro significado das palavras, ou eles representam o modelo velho de escola - travestidos com as palavras atuais que não são efetivadas de fato.
(B) No Brasil, a década de 90 é marcada pela palavra “mudanças”. Destaque para o nome “Administração” que é substituído por “Gestão”. Isso no cotidiano escolar. E, Com um olhar especial na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96 principalmente nos artigos 12 e 14 que assimilaram conceitualmente mais dois termos que são “descentralização” e “Gestão Democrática” que, também, ainda resistem para representar a realidade.
4º Marque a estrutura de um ARTIGO DE OPINIÃO.
(A) introdução, desenvolvimento e conclusão;
(B) desenvolvimento, conclusão e desenvolivmento;
5º QUAL A LINGUAGEM USADA NUM ARTIGO DE OPINIÃO?
(A) popular e informal;
(B) padrão e formal;
Para acessar o gabarito e marcar as questões, clique no link abaixo
Nenhum comentário:
Postar um comentário