quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Considerações acerca da evolução da concepção de Gestão: dos conceitos que expressam a realidade

















Isaac Sabino CARDOSO1


                  No Brasil, a década de 90 é marcada pela palavra “mudanças”. Destaque para o nome “Administração” que é substituído por “Gestão”. Isso no cotidiano escolar. E, Com um olhar especial na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96 principalmente nos artigos 12 e 14 que assimilaram conceitualmente mais dois termos que são “descentralização” e “Gestão Democrática” que, também, ainda resistem para representar a realidade.
                    O dilema acerca de nomear a “coisa” pelo nome que verdadeiramente a expressa remonta a antiguidade grega. Sócrates, por exemplo, vivia perguntando aos seus conterrâneos se eles sabiam o significado das palavras que nomeavam os atos como coragem ou virtude. Depois de uma série de questionamentos, as pessoas, que se deixavam interrogar pelo filósofo, percebiam que o que eles faziam devia receber outro nome, menos aquele que eles estavam habituadas. Na escola brasileira, tal situação acontece desde o início da década de 90 com a necessidade de nomear o que é “administração” ou ”gestão” ou "nada". Segundo Dalila (2002) há um entendimento quase tácito entre os pesquisadores da área de que o termo “gestão” é mais amplo e aberto que “administração”. Isso vale também para os termos “diretor” e “Gestor”.
                  No uso do termo “administração” o núcleo diretor da escola é nomeado por entidade mantenedora - que   pode ser o líder político local, a regional ou a própria secretaria - também, a realização de alguma prova objetiva. Nisso, ele está sempre preocupado em organizar a burocracia do órgão com vistas a atender pedidos da hierarquia superior. Nesse sentido a escola é percebida como uma realidade objetiva, neutra e amplamente racional. Como o foco é o núcleo diretor e as autoridades que centralizam o planejamento, não há participação de todos os atores na tomada de decisão, até de pequenas coisas, como mudanças de horários, da realidade escolar. Forte na década de 80, tal modelo foi muito criticado e pedido à sua substituição pelo vocábulo “gestão” por agregar democracia, autonomia, responsabilização, uma escola subjetiva, crítico-social e promotora de debates acalorados em sua realidade.
                   A questão socrática retorna quando todo diretor de escola atual se diz “gestor”, mesmo estando na direção indicado por entidade mantenedora; sempre preocupado em atender aos pedidos burocráticos da secretaria ou da regional de educação; mobilizado na confecção de uma escola objetiva e neutra ao seu em torno: com pouca participação das famílias nas reuniões e na tomada de decisão. É um exemplo clássico de uma palavra que não expressa a realidade que se tem na maior parte das escolas brasileiras. Com tais características não se tem gestores e sim administradores. Em alguns casos, nada.
                     Não que “administração” seja um problema por completo. A razão, a eficiência e eficácia do ato são de suma importância no bom funcionamento da coisa pública, mas esta época, culturalmente, é mesmo do fazer “gestão” que é palavra mais próxima aquelas diretamente ligadas a lei 9394/96 como “descentralização” e “Gestão Democrática”.
                   Só para se ter uma ideia de termo que representa conflito de interesses com a realidade, no artigo 12 da LDB há o pedido para que os estabelecimentos de ensino elaborem e executem o seu projeto político pedagógico (PPP).  Só que elaborar o PPP para um administrador indicado é sair de uma zona de conforto que é vertical hierarquicamente e entrar numa zona horizontal marcada por um debate constante com familiares e servidores de forma que todos os interesses sejam discutidos, refutados ou aprovados. É muito trabalho e o núcleo Diretor pode se "queimar". Todo o restante dos incisos do artigo chama a responsabilidade da escola para a escola. Como os diretores não querem assumir tal responsabilidade, dividindo os erros ou acertos com pessoas simples, a direção ou o núcleo diretor, iludida por uma falsa sensação de que é melhor ficar do lado mais forte, que é a secretaria ou a regional, prefere ser meros executores a gestores de fato. A palavra que melhor expressa essa realidade é Centralização ou outra.
                  Do artigo 14 subentende-se a necessidade do incentivar, por parte dos sistemas de ensino, a entrega da gestão da escola a comunidade escolar de forma a incrementar na instituição órgãos que efetivem a democracia. Isso é “Gestão Democrática” e Segundo Heloísa Lück (2013) essa iniciativa é a superação do modelo estático [...] que desconsidera a necessidade de criatividade, iniciativa e discernimento em relação a dinâmicas interpessoais e sociais [...] que entende a escola como do governo e não da sociedade. O processo educacional é dinâmico e de difícil previsão, por conta disso se torna incontrolável por um poder central.
                   Sócrates estivesse vivo, ele perguntaria ao diretor administrador ou núcleo (a partir daqui, foca-se mais no termo diretor, mas já é sabido que é um núcleo composto mais de umas pessoa": "...você sabe o que é administração, você sabe o que é gestão democrática? Você sabe o que é descentralização?"
                    É o outro problema de nome que não corresponde com a realidade. “Descentralização” é um nome autoexplicativo. Mas, para quem tem dificuldade de saber se a sua escola é descentralizada ou não, há uma palavra que é a prova dos nove que é “identidade”. Uma escola descentralizada possui sua identidade própria, ela se difere das demais em tudo: no seu fazer pedagógico, com um jeito particular de promover suas avaliações, seus eventos culturais e o trato com seus servidores. Até no uso do uniforme escolar que os alunos vestem se percebe a identidade do colégio, ou o contrário – a centralização de um diretor, de um governo. A escola descentralizada não se parece com nenhuma outra. Heloísa Lück (2013) apud Cunha (1995) diz que descentralização existe mesmo é no sistema americano de ensino, onde as famílias se sentem totalmente responsáveis pelas escolas, “... cada vila ou cidade constitui um sistema escolar inteiramente autônomo. O Estado apenas dá algumas diretrizes de caráter extremamente geral e compensações financeiras, [...] enquanto o governo federal apenas promove programas e mobiliza debates”. Mas, então o que é isso que acontece na escola brasileira? Não é “descentralização”, não?
                     O que acontece com a escola no Brasil é o que o pessoal do Direito chama de “desconcentração” que é quando há a divisão dos respectivos órgãos central administrativo em escala hierárquica (Oliveira 2012). No caso da educação, o órgão superior é a secretaria ou a regional e os órgãos inferiores são as escolas. De forma alguma isso é “descentralização” e sim subordinação administrativa. 
                   A verdade é que se montou um sistema e usou-se a língua como manipulação. Só na ficção já tinha acontecido algo assim, basta ler 1984 de George Orwell. No livro um governo totalitário tem um controle das palavras, liberando-as, modificando-as ou as proibindo, e consecutivamente controlando os cidadãos daquele estranho mundo. O mesmo tem acontecido no meio educativo brasileiro. Mudam-se os termos, mas a realidade não condiz com a palavra mudada. O pior disso tudo é ver pessoas cultas como o diretor da escola se deixar usar como peão de xadrez. Dos dois um: ou os diretores de escolas atuais não sabem o verdadeiro significado das palavras, ou eles representam o modelo velho de escola - travestidos com as palavras atuais que não são efetivadas de fato.


         REFERÊNCIAS

FRASSON, Antonio Carlos,:JUNIOR, Constantino Ribeiro de Oliveira. METODOLOGIA DA PESQUISA CIENTÍFICA. São Luís, Maranhão : 2010
CARDOSO, Isaac Sabino. Mudanças na organização e na gestão do trabalho na escola e Concepções e processos democráticos de gestão educacional: o problema da apropriação falsa dos nomes. Disponível em <https://isaacsabino.blogspot.com/2018/01/mudancas-na-organizacao-e-na-gestao-do.html>. acesso em 22 de janeiro de 2020-01-22

Lakatos, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica 1 Marina de Andrade Marconi, Eva
Maria Lakatos. - 5. ed. - São Paulo : Atlas 2003.

Lück, Heloísa. Concepções e processos democráticos de gestão educacional/ Heloísa Lück. 9. Ed – Petrópolis, RJ : Vozes, 2013. Série: Cadernos de Gestão

Oliveira, Dalila Andrade. Política e Gestão da Educação / organizado por Dalila Andrade Oliveira e Maria de Fa´tima Félix Rosar – Belo Horizonte: Autêntica, 2002

Oliveira, João Rezende Almeida. Instituições de direito público e privado / João Rezende Almeida Oliveira, Tágory Figueiredo Martins Costa. – 2. ed. reimp. – Florianópolis : Departamento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasília] : CAPES : UAB, 2012.        

PAVIANI. Jayme. Ética e aprendizagem em Platão. HYPNOS, São Paulo, número 27, 2º semestre 2011, p. 246-259

PLATÃO. Ménon. Tradução de Ernesto R. Gomes. Lisboa: Edições Colibri, 1992.

PLATÃO. Fédon. Introdução e comentários de Maria Arminda Alves de Sousa. Porto: Porto Editora, 1995.



     

1ª Os textos de opinião costumam apresentar o tema e o ponto de vista do autor nos primeiros parágrafos. Qual é a afirmação feita no início, em torno da qual a autora desenvolve o texto?


(A) a evolução da escola ao longo dos tempos;

(B) a evolução do termo gestão ao longo dos tempos;


2º Um texto argumentativo pode ser desenvolvido com exemplos, citações, comparações, dados estatísticos, etc. Qual autor é citado para justificar o argumento do texto?

(A) Paulo Freire e Dermeval Sarviane;

(B) Dalila e Heloísa Lück;


3º Marque o que representa a conclusão do Artigo de Opinião.


(A) A verdade é que se montou um sistema e usou-se a língua como manipulação. Só na ficção já tinha acontecido algo assim, basta ler 1984 de George Orwell.  [...] Dos dois um: ou os diretores de escolas atuais não sabem o verdadeiro significado das palavras, ou eles representam o modelo velho de escola - travestidos com as palavras atuais que não são efetivadas de fato.

(B)  No Brasil, a década de 90 é marcada pela palavra “mudanças”. Destaque para o nome “Administração” que é substituído por “Gestão”. Isso no cotidiano escolar. E, Com um olhar especial na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96 principalmente nos artigos 12 e 14 que assimilaram conceitualmente mais dois termos que são “descentralização” e “Gestão Democrática” que, também, ainda resistem para representar a realidade.

4º Marque a estrutura de um ARTIGO DE OPINIÃO.

(A) introdução, desenvolvimento e conclusão;

(B) desenvolvimento, conclusão e desenvolivmento;


5º QUAL A LINGUAGEM USADA NUM ARTIGO DE OPINIÃO?

(A) popular e informal;

(B) padrão e formal;



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